Calouste Gulbenkian Foundation Museum, Lisbon, Portugal
Material : Gouache on paper
Modern Collection
Inv. : DP2503
PORTUGAL EM FLAGRANTE
Operação 1 / org. E.M. de Melo e Castro; capas de João Vieira
OPERATION 1
Over the next six months the Modern Collection will be redisplayed, in a semi-permanent arrangement offering a more comprehensive introduction to the first time visitor, as well as a more durable and in-depth resource for students and teachers.
The first part of the new display – OPERATION 1 – will use works on paper (books, photographs, prints and drawings) to suggest an outline of the 20th century in Portugal, and how broader political and cultural changes are reflected in the nature of artistic production.
Drawing extensively on the holdings of the Art Library, the timeline documents the unique characteristics of the 20th century in Portugal.
BIOGRAPHY
João Vieira ainda enveredou pelas cenas pitorescas do neo-realismo, enquanto estudante na ESBAL (1951-53), mas insatisfeito com o ensino oficial e as imposições estéticas da ditadura, decidiu abandonar a pintura e refugiar-se em Trás-os-Montes.
Quando volta a Lisboa e à pintura, dois anos depois, começa logo a expor e associa-se ao Grupo do Café Gelo (1956), ambiente de tertúlia e oposição ao regime, cuja camaradagem artística se tornou axial no percurso de Vieira, na sua relação estreita e criativa com poetas como Hélder Macedo, Mário Cesariny e Herberto Hélder – de quem ilustrou, por exemplo, Kodak (1984) –, e artistas plásticos como José Escada, René Bértholo e Gonçalo Duarte, com quem partilhou atelier sobre o café e fundou, pouco depois, o grupo KWY em Paris – juntando-se a estes Lourdes Castro, Christo e Jan Voss.
Na capital francesa, João Vieira frequentou o concorrido curso de Henri Goetz na Académie de la Grande Chaumière, mas foi o contacto directo com artistas que lhe permitiu assimilar uma heterogeneidade de linguagens abstractas, indisponíveis em Portugal, no campo da pintura.
O primeiro encontro decisivo deu-se com as experiências informalistas de Vieira da Silva e Arpad Szenes, que seria o seu orientador quando recebeu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian (1959-60), além de se aproximar de elementos do grupo espanhol El Paso, em particular de Millares e Antonio Saura – a quem dedicou António (1963).
Seria, no entanto, a pintura gestualista de Dubuffet a deixar um impacto mais duradoiro na sua obra. Vieira troca o pincel pela espátula para encontrar novas texturas em telas que, desligadas já da figuração inicial, vão ao encontro do lettrisme francês e dos seus estudos de caligrafia, coroando um interesse pelo mundo literário e pela articulação entre palavra e imagem.
A recolha de experiências plásticas diversificadas e o seu nomadismo por diferentes cidades europeias, gerou uma idiossincrasia muito peculiar na obra de Vieira no contexto português, como se viu na sua primeira exposição individual de pintura (Galeria Diário de Notícias, 1959), em breve passagem por Lisboa, onde a experimentação das possibilidades pictóricas da escrita era inconfundível com as obras análogas de Ana Hatherly ou António Sena.
Vieira retoma a sua itinerância regressando a Paris (1964) e fixando-se depois em Londres, entre a comunidade artística portuguesa (Alberto de Lacerda, Paula Rego, Menez, Bartolomeu Cid, Cesariny, Cutileiro). A imersão na cultura britânica Pop marcou Vieira sobretudo pelo advento dos happenings, cuja conjugação de música, teatro, pintura, cinema, fotografia ou escultura, leva-o a extravasar o território delimitado da pintura e do desenho, para se entregar a criações multidisciplinares e experimentalistas nos anos seguintes.
Quando regressa a Portugal, em 1967, começa a trabalhar quase exclusivamente em cenografia, contratado pela RTP (1968-72) e para pontuais peças de teatro (Pinter, Beckett, Brecht, Marivaux, Bulgakov), recebendo o Prémio do Círculo de Teatro Latino de Barcelona (1968)*. Foi também encenador, tendo ganho o Prémio Nacional de Teatro (1971)** e estudado com Józef Szajna no Teatr Studio de Varsóvia (1978-79).
O acto performativo, característico da redefinição do objecto artístico nos anos 70, foi importado e assumido por João Vieira ao criar alguns dos primeiros happenings/performances (a que chamou acções-espectáculo) em Portugal, como na Galeria Judite Dacruz (1970), que terminou com a destruição das obras expostas – e pela qual recebeu uma Menção Honrosa no Prémio SOQUIL –, ou em torno do corpo humano, como em mamografias (1981-2000), inspiradas nos seios da Vénus de Milo, ou recuperando costumes típicos transmontanos, como em Caretos (1984), ou criando sucessivas letras tridimensionais de grande escala, apelando sempre à intertextualidade das obras e à interferência do público.
APÓS TER FIGURADO NA GRANDE RETROSPECTIVA DO GRUPO KWY, NO CCB (2001), João Vieira foi postumamente galardoado com o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (2009).
* Prémio atribuído pela sua cenografia da peça de D. Quixote de Yves Jamiaque, encenada por Carlos Avillez, no Teatro Experimental de Cascais.
** Prémio atribuído pela encenação da peça Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? de Edward Albee, na Companhia Vasco Morgado, Lisboa.
*** Frase repetidamente invocada por João Vieira, retirada do poema “Nós” (1884) de Cesário Verde.
AR
Agosto de 2011
SOURCE: CAM (Centro de Arte Moderna)